sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A História de Samanta


Leia este texto ao som de Let Her Go - Passenger!

     Era um segunda-feira e ele ligou para ela dizendo que queria ir à casa dela para eles conversarem. Ao chegar lá, ele viu que ela estava mais linda do que qualquer outra vez que já tinha visto-a. Ele estava com as mãos no bolso. Até que ela perguntou o que ele queria. Ele se aproximou e colocou as mãos em seu rosto, e disse: - "Eu apenas queria fazer isto". Ele, então, a beijou com vontade. Desceu suas mãos pelo pescoço, depois os cabelos. Manteve a pegada. 

     Puxou-a para mais perto e foi descendo as mãos até a sua silhueta. Ali permaneceu com a mão. Durou por uns dois minutos aquele momento. Até que ele parou e olhou em seus olhos de novo. 


Logo Samanta perguntou: - "O que houve?" 
- Não houve nada, apenas quero olhar nos seus olhos. - Respondeu ele meio que fazendo força para disfarçar a tristeza dentro de si à respeito do que havia descoberto. 
- Não, mas você não está bem. Sinto isso. - Insistiu ela. 
- Estou bem, senhorita. Não precisa provar que me conheces tão bem. E insisto: estou bem. Apenas com alguns planos e receios. - Disse John. 
- Posso saber quais são? - Samanta disse com um ar de curiosidade. 
- Pode sim. É que no final do ano vou fazer uma viagem e estou pensando para onde. 
- Estou inclusa?
- Não, porque já tenho planos para você! Irá viajar antes de mim para a Irlanda. 

    Samanta ficou com uma pulga atrás da orelha, mas logo entendeu que não era mais o momento de perguntar nada. Ele apenas foi falando que já estava tudo planejado e comprado para ela ir com a Ângela, melhor amiga dela. E pelo resto do dia, eles foram passear no parque, tomaram um açaí e conversaram bastante. À noite quando John foi deixá-la em casa e ao deitar-se na cama, Samanta decidiu que havia algo de errado. Mas que não iria insistir, pois não queria demonstrar nada. Apenas queria que ele estivesse feliz. 

     Samanta era uma menina branca, cabelos pretos e lisos. Seu rosto angelical lembrava ao John, todas as vezes que ele olhava, os motivos pelos quais ele havia escolhido ela para ser sua pelo tempo que lhe restava. Ele apenas a amava com todas as suas forças. Até porque ela tinha sido à mulher que o fez mudar totalmente. Sair das drogas, parar de mexer com coisas erradas e procurar ser alguém melhor na vida. Ela o fez amadurecer, amar e viver melhor. 

     E ela lembrava todas as vezes que o havia escolhido quando o seu coração o viu e começou a acelerar. Pensou que aquilo era uma coisa apenas de momento, mas já estavam juntos há cinco anos. Isso é amor. Samanta dormiu, já estava cansada de ficar pensando. O tempo foi passando. No dia seguinte John foi ao hospital fazer alguns exames para confirmar o que ele tinha. E estava confirmado. 
     
      Era leucemia. De quebra: apenas seis meses de vida. 

     Uma semana depois pediu Samanta em casamento e falou que queria se casar o mais rápido possível. Um mês depois casaram-se e ele começou a ficar fraco. Começou perdendo a cor, ficando cada vez mais pálido. E a cada vez que ela perguntava o que era, ele falava que era a pressão baixa. Passaram mais dois meses, os cabelos dele começaram a cair. Era o resultado das quimioterapias que ele estava fazendo escondido dela. Falava que estava com os amigos, ou trabalhando, ou andando no parque. 

     Para Samanta não perceber, raspou a cabeça de vez e disse que era em comemoração por ter sido promovido no trabalho. Ela acreditou de novo. Chegou o tempo da viagem de Samanta. 


     Então, ele a deixou ir (let her go). Pensou que era o melhor. Despediram-se rapidamente. E então, ele entrou no carro. Foi para casa chorando. Estava com a certeza de que foi o melhor. Pois, não queria permitir que ela o visse morrer pouco a pouco. O dia passou rápido. Em uma segunda-feira, pela manhã, John levantou para ir trabalhar, estava colocando o seu café na xícara. Quando, de repente, ele caiu desmaiado no chão da cozinha. Sua irmã chegou alguns minutos depois, por que eles haviam combinado dela deixá-lo no trabalho naquela dia.

     Raquel havia buzinado várias vezes, mas ninguém saia da casa. Ela sentia que de algum modo John estava lá dentro. E decidiu tocar a campainha. Tocou umas dez vezes seguidas, ninguém abria a porta. Então, decidiu entrar. Já que sabia aonde ficava escondida a chave extra na varanda da casa. Ao entrar, viu seu irmão desmaiado no chão da cozinha. Levou-o para o hospital rapidamente. A situação de John tinha complicado e ela tinha que avisar a Samanta. Mas lembrou-se de que ele havia pedido para ela não contar nada e deixar ela aproveitar a viagem. 

      Samanta estava na Irlanda já. Três dias haviam se passado. Ela estava caminhando pela cidade, quando sentiu tontura. Sendo que não era primeira vez, então decidiu visitar o hospital mais próximo. Ao chegar fez exames e o médico foi bem objetivo ao pedi-los. Uma hora depois saíram os resultados. Samanta estava grávida de três meses. E então ela pensou em adiantar a passagem. E ao invés de ficar por duas semanas, ficaria por mais três dias e voltaria. Era o tempo dela adiantar a passagem e acertar as coisas com Ângela. 

     Era sábado pela manhã quando Samanta chegou em sua casa. Estava feliz, porque imaginava chegar em casa e ver o John lá para poder abraçá-lo forte e contar a novidade. Estava feliz pelo fato de uma criança estar crescendo dentro dela e essa criança era uma parte dela e dele. Samanta o procurou por todos os cantos da casa, mas não o achava. Ligou várias vezes no celular dele e dava apenas na caixa de mensagem. Teve a ideia de ligar para Raquel:

- Olá, Raquel. É a Samanta. Já cheguei de viagem. Tive que adiantar a passagem, pois tenho uma notícia maravilhosa para compartilhar com John e a família. - Disse Samanta com ansiedade em saber sobre John. 
- Sam, estou no hospital San Marcos. Venha até aqui. John está comigo. - Disse Raquel com a voz vazia. 
- Está bem. Mas aconteceu algo? - Perguntou com uma voz baixa e sentindo algo ruim. 

    Meia-hora depois ela tinha chegado ao Hospital San Marcos. Perguntou por Raquel Boulevard. Falaram que ela estava no quarto 401. Chegando ao quarto... Samanta ficou paralisada na porta ao ver que quem estava deitado na cama cheio de agulhas era John e não Raquel. Levou um susto ao vê-lo daquele jeito. Saiu correndo pelo corredor. Então, ela estava cansada demais para continuar, agachou-se e abraçada aos próprios joelhos começou a chorar feito criança desprotegida. 

     Raquel estava procurando por Samanta. Dez minutos depois achou-a. Sentou-se ao seu lado e abraçou ela. Explicou toda a história. E disse que John precisava muito dela agora. Precisava daquela mulher forte que ele sabia que ela era. Samanta enxugou as lágrimas. Voltou para o quarto 401 e abraçou John com muita força. Decidiu que estaria do lado dele para tudo. Como sempre esteve. Deitou-se ao lado dele e começou a falar:

- Por quê não tinha me dito antes sobre a doença? 
- Por que não queria vê-la sofrer. Queria continuar tirando força do seu sorriso e não da sua prova de fogo. 
- Eu teria aguentado. E se o seu medo era que eu deixasse de sorrir, sinto muito, mas está enganado, moço. Não deixarei de sorrir para você. - Disse Samanta com uma voz doce, quase que angelical. 
- Sei disso. Mas, mesmo assim, quis guardar para mim. Raquel foi saber disso na semana passada também.
- Ah, então, o moço acha que pode ser forte sozinho? Não, não, não. 
- Sam, estou um pouco com sede. Dê-me água?

    Samanta levatou-se e pegou um copo d'água para John. Deu a ele. Bebeu tudo. Levantou-se de novo para deixar o copo perto do frigobar que ficava perto de um armário alto de duas portas. Ao voltar percebeu que ele estava meio sonolento. Decidiu não falar mais nada. Deitou-se ao lado dele de novo. E os dois acabaram adormecendo. No final da tarde, Samanta acordou mais forte e com um sorriso leve no rosto para transmitir força a ele. E Raquel sabia da força que ela estava fazendo por dentro. Raquel ao perceber aquilo, deixou-os a sós. 

    Ela continuou deitada sobre o peito de John e começou a conversar:
- John, tenho uma novidade muito boa. - Disse Sam com um certo entusiasmo. 
- Sério? Quero saber o que é! Conte-me, Sam... - John fez força para falar. Sam continuou fazendo um certo suspense, até que começou a falar.
- No terceiro dia que eu estava na Irlanda com Ângela, percebi que a minha frequência com enjoos e tonturas estavam aumentando gradativamente. - John estava lutando para não fechar os olhos. - E vomitando tudo o que comia, então decidi ir ao hospital ver o que era. O médico foi bastante objetivo comigo e pediu os exames. Ângela esperou por uma hora comigo até que os resultados saíssem. Quando saíram e os vi, nem eu acreditei. Mas fiquei super feliz. - John fez uma força e perguntou o que deu. E então ela continuou falando: - Eu estou grávida, J...

   Quando Samanta estava terminando de pronunciar o nome de John, o aparelho começou a disparar. Logo em seguida, os médicos e enfermeira entraram no quarto. Samanta levantou rapidamente e em menos de alguns minutos Raquel apareceu. Abraçou-a. Samanta ficou paralisada novamente e gritando o nome de John. Ela não acreditava no que seus olhos estavam presenciando. Os batimentos de John estavam diminuindo cada vez mais. Até que pararam de vez. E nada do que os médicos fizessem o reanimara. 

   John Leonard Boulevard morreu em um sábado, às sete horas da noite, deitado em uma cama de hospital abraçado a sua esposa que dizia que estava esperando um filho seu. Samanta estava sozinha agora. No domingo, foi o enterro dele. Ao final do enterro, Raquel chegou perto de Sam com uma carta em mãos, dizendo que era uma carta endereçada a Samanta e que foi escrita por John, enquanto ele estava no hospital. Ele tinha feito ela prometer que entregaria a carta a Sam após seu enterro. Dito e feito!

    Sam relutou para pegar a carta, mas acabou aceitando, pois sabia que isso tinha sido a última vontade de John. Quando chegou em casa, deixou suas coisas sobre a mesa da cozinha. Foi para o quarto e tomou um banho bem gelado. Demorou mais do que o esperado. Saiu e se arrumou. Vestiu uma calça do moletom e uma blusa folgada com mangas curtas, calçou um par de meias e apenas penteou o cabelo para trás sem secar. Foi para a cozinha e preparou algo para comer. Não comeu muito. Sentiu uma ânsia de vômito e parou de comer. Arrumou o que estava sujo e foi para o sofá da sala. 
    
    Mas antes pegou a carta que estava sobre a mesa. Ao sentar-se no sofá, ficou olhando por alguns minutos para a carta e viu que no verso do envelope estava escrito: "Let Her Go, minha querida Sam". Abriu-a e começou a ler: 

"Minha querida Sam, 
      Provavelmente, quando estiver lendo essa carta, já não estarei mais ao seu lado e do nosso bebê. Sim, eu já suspeitava que estivesse grávida. Ou você esqueceu que sou seu marido e conheço o seu corpo. Eu reparei que sua silhueta estava mais larga que o normal e você estava reclamando direto sobre os enjoos, tonturas e tudo mais. Por isso, me adiantei e comprei algo para nosso filho. Deixei na sua gaveta de lembranças. É uma roupinha linda para ele ou ela sair da maternidade. 

    Minha querida Sam, não chore. De qualquer maneira eu sempre estarei presente. Quando sentir minha falta olhe para o céu e o vento que bater em seu rosto ou quando sentir algo bom, é sinal de que estou por perto. Meu amor é incondicional e você me fez o homem mais feliz dentro das suas possibilidades como mulher. Digo de passagem: uma mulher fantástica. Nosso filho terá sorte em tê-la como mãe. Sei também que tudo dará certo, Sam. 

      Lembra-se da nossa primeira viagem juntos, foi para a Grécia. E ao chegarmos lá não sabíamos falar grego e ninguém nos entendia muito bem. Nos metemos em uma baita confusão. Mas o que nos fez rir de tudo aquilo, é que estávamos comemorando o nosso primeiro ano de namoro. Ótimas lembranças. Quanto amor sentíamos. Foi lindo. E teve um momento que me marcou, que foi quando estávamos andando pela praia e paramos para admirar a divindade feita por Deus. 

     Naquele exato momento você olhou em meus olhos e disse: "aconteça o que acontecer te amarei. E Deus nos fez divinos, assim como essa paisagem. E se eu morrer antes de você, quero que sejas feliz como nunca foi. Quero que você, John, viva a vida da melhor maneira possível e continue tendo fé". 

     Sam, hoje sou eu que lhe escrevo pedindo isso. Por que por uma ironia do destino eu estou morrendo a cada dia. E primeiro do que você. Por isso, sinto-me no direito de pedir que você levante desse sofá, vista a sua melhor roupa e vá aquele restaurante chinês que nós adoramos e peça a comida mais gostosa e se esbalde. Não esqueças que está comendo por dois agora. E como acho que se sentirá sozinha, tomei minhas providências. Raquel estará te esperando às dez horas lá para jantarem. Apenas aproveite. 

      Não posso esquecer de dizer que você foi a mulher que mais amei na vida, que me fez completo. E que se chegamos até aqui é por que a vida tem um plano muito melhor para nós. Paciência. Paciência. Repito: paciência. A morte é breve. O que é eterno é o que a alma deixa pelo mundo. A morte é breve, Sam. Sei disso. Mas o que não é breve é o sofrimento que nos mata pouco a pouco. E eu morri feliz, afinal tive você em meus braços e em minha vida. 

     Não se esqueça: a morte é breve, mas a dádiva de poder vivê-la não é. E à nossa criança ensine isso. Sei que será uma boa mãe. E aposto que será uma linda menina.

Até breve, e viva!
Com amor, John!"

    Ao terminar de ler a carta, percebeu que uma lágrima estava descendo. Foi ao banheiro e lavou o rosto, vestiu sua melhor roupa, encontrou Raquel no restaurante no horário marcado. Conversaram, choraram e riram. Sam contou tudo o que havia vivido com John e o resultado agora estava em sua barriga. Acabou! Voltou para casa e dormiu. Daí para frente, passaram-se seis meses e o bebê nasceu. Era uma linda menina, chamada Clarice. 

    E, assim, Sam percebeu que não importa o que você tem na vida. O que importa é quem você tem e o que já fez para essas pessoas. Não importa o que já fizeram para você e, sim, que debaixo dos céus sempre há um propósito. E que a vida era um caminho válido. Até mesmo por que "a morte é breve, mas a dádiva de poder vivê-la não é". 

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